Sou baterista desde o dia 20 de dezembro de 1997. Era um sábado, ao meio dia, quando minha mãe me levou para comprar meu presente de natal no centro de Porto Alegre, em uma das lojas da rua Coronel Vicente.
Foi a primeira bateria que eu tive, e ainda tenho, guardada na casa da minha mãe lá em Porto Alegre. Depois dela, tive algumas outras, não muitas.
Logo que cheguei aqui em Barcelona, depois de algum tempo trabalhando de entregador de pizzas e recepcionista de hotel, consegui juntar dinheiro para comprar minha primeira bateria nesse lado do oceano Atlântico. O dinheiro disponível não era muito, e meu conhecimento do mercado de instrumentos novos e usados aqui também não era muito vasto. Acabei optando por comprar uma bateria nova em uma loja. O kit escolhido foi um modelo Custom da marca Basix, até então desconhecida por mim, mas com preço bem acessível, e com um acabamento muito melhor que a Yamaha Gigmaker que tinha aproximadamente o mesmo valor.
Fiquei com essa bateria por pouco mais de um ano. Não era ruim, mas era uma bateria muito grande para guardar em casa e transportar para shows, sem ter disponibilidade de carro. Bumbo de 22″, toms de 12″ e 13, surdo de 16″.
Com o tempo, e por praticidade, comprei outro bumbo, um Sonor modelo 505 de 18″. Comprei outra caixa também, uma Tama de maple, 13″ por 6,5″. Assim como a bateria Basix, esses tambores novos não eram os melhores do mercado, mas davam conta do recado, e esse bumbo era mais prático para levar em shows.
Certo dia, olhando anúncios de instrumentos musicais usados pela internet (que é um hobbie que tenho…. mesmo sem intenção de comprar nada, sempre olho anúncios) encontrei uma oferta dessas que só acontecem uma vez na vida de cada músico: um kit muito bom por um preço absurdamente barato. Com certeza a pessoa que estava vendendo não tinha nem idéia da qualidade daquele instrumento. Queria vender logo, porque ocupava espaço em sua casa, e além disso, era “um troço velho”.
No mesmo momento liguei pro vendedor, e no dia seguinte fui buscar minha bateria nova.
Era uma Pearl All Maple Shell de 1992, com bumbo de 18″, toms de 12″, 13″, surdo de 14″ e caixa de 14″ por 5,5″. No dia seguinte de comprar esse kit, vendi o bumbo Sonor que, comparado ao kit novo, era de pior qualidade, por exatamente o mesmo valor que gastei para comprar TODO o kit Pearl. E, nas semanas seguintes, vendi também o kit Basix.
Obviamente, pela idade que tem e por ter pertencido a pessoas que não cuidaram devidamente, esse kit que eu acabava de comprar estava em um estado de conservação meio ruim… De estrutura das madeiras, perfeito. Mas a pintura estava saindo em muitas partes de todos os tambores, além de muitas das canoas estarem quebradas. Ainda assim, estava funcional para ensaios e shows, e soava (e segue soando) muito bem, mesmo com as peles velhas e ruins que o antigo dono tinha colocado nela!
Fazia tempo já que eu vinha pensando em reformar essa bateria. Trocar as canoas, tirar essa pintura e fazer um acabamento melhor, deixar ela com cara de nova. O problema é que eu sabia que, para fazer essa reforma bem feita, precisaria ter um kit reserva para estudar e tocar enquanto reformava a Pearl.
Pois justamente há alguns meses, meu professor e amigo Anton Jarl, um grande baterista sueco que vive aqui em Barcelona, me deu de presente um kit que ele não utilizava. Havia chegado o momento de reformar a Pearl! Dito e feito. Reformei a véia!
Eu não sou artesão, não tenho muitos conhecimentos sobre como trabalhar com a madeira, menos ainda sobre luthieria. Porém, arrisquei, e aprendi “sobre la marcha”, como dizem por aqui.
O primeiro passo era óbvio: tirar todas as peças dos tambores. Peles, aros, canoas, parafusos, plaquinhas da marca. Por via das dúvidas, ainda que o objetivo era trocar todas as canoas, guardei as velhas, inclusive as quebradas. Nunca se sabe se em algum momento alguma dessas peças não podem ser aproveitadas para algo.
O próximo passo foi o mais trabalhoso: lixar a pintura. Algumas baterias são pintadas por fora, outras são revestidas com umas lâminas de plástico, ou drum wraps, como chamam em inglês. A minha Pearl Export que tenho em Porto Alegre é revestida. Essa Pearl All Maple Shell, pintada. Comecei lixando manualmente. Comprei algumas lixas de diferentes medidas (de mais grossas até mais finas), vi alguns tutoriais de como lixar a madeira no youtube, e mãos à obra.
Depois de uns quantos dias lixando muitas horas por dia, e muita dor nos braços, resolvi deixar de ser cabeça dura e aceitar a sugestão de uns amigos. fui em uma loja especializada e comprei uma lixadora elétrica.
A diferença foi incrível. Em 2 dias com a lixadora elétrica consegui ter toda a bateria perfeitamente lixada por fora. Por dentro não lixei. Esses tambores têm um acabamento com verniz por dentro, algo bem interessante que inclusive dá mais pegada para o som. Não quis mudar isso. A partir daí, vem o próximo passo: o acabamento dos tambores.
Depois de pesquisar bastante pela internet, ler as sugestões do pessoal pelo Youtube e pela fan page no Facebook, resolvi deixar a bateria na sua cor natural da madeira, e não utilizar verniz. Li em um site de um luthier de baterias espanhol sobre as vantagens e desvantagens de cada tipo de acabamento, e decidi utilizar o azeite de linhaça. De acordo com esse site, é o produto mais natural para esse tipo de acabamento, nutre a madeira e permite que ela ressoe da maneira mais natural possível, ao contrário do verniz, tintas ou revestimentos plásticos, que influenciam no som dos tambores, matando um pouco da ressonância dos mesmos.
Passei o azeite de linhaça no exterior de todos os tambores, uma e outra vez. Perdi as contas de quantas camadas de azeite passei, mas com certeza foram mais de 20 camadas. Passava uma camada em todos os tambores, esperava secar, passava outra camada, esperava secar.
No início, em uma hora aproximadamente, a camada de azeite já estava seca, e os tambores estavam prontos para receber mais azeite. Depois de algumas aplicações, já demorava mais para secar. As ultimas camadas de azeite eu passei uma por dia. Esperava 24h para ter certeza que o azeite estava seco, antes de passar mais.
Importante notar que, a cada camada de azeite, a madeira ganhava um aspecto mais interessante. É como se desse para ver cada vez mais detalhes da madeira, como se as veias da madeira aparecessem cada vez em maior quantidade, e em diferentes profundidades. Em cada camada de azeite que eu passava, mais bonita ficava a madeira.
Outra coisa que acontecia também, depois de algumas camadas de azeite aplicadas, é que algumas das fibras da madeira se arrepiavam. Visualmente não se nota, mas quando eu passava a mão pela madeira, notava que ela já não estava tão lisa como antes. Isso não é um problema. Basta lixar ela outra vez, com uma lixa bem fina, que o problema está resolvido.
Bueno, depois de alguns dias com o azeite de linhaça, chegou o momento de montar a bateria outra vez.
Enquanto eu aplicava o azeite na bateria, ao mesmo tempo, desde casa, comprei pela internet as canoas novas para a bateria.
É muito importante comprar as canoas corretas. Não necessariamente pelo design delas, mas sim pelos furos que já existem nos cascos dos tambores, das antigas canoas. Tive que buscar canoas que servissem nesses mesmos furos, e justamente encontrei um modelo que eu gosto bastante: as canoas da Gretsch. As distâncias dos furos eram exatamente as mesmas tanto nos tons como no surdo e no bumbo.
Aos curiosos, comprei essas canoas em uma loja alemã que vende através da Internet. o site da loja é www.stdrums.de e, além de canoas, eles têm todo o tipo de peças para a construção e reformas de baterias. Vale a pena conferir o site, nem que seja pela curiosidade.
4 dias depois de comprar pela internet, as peças chegaram aqui na minha casa. Fui correndo para meu estúdio, montar a bateria, afinar, tocar, babar com o resultado e fazer um vídeo dela reformada para mostrar para vocês.
Você pode conferir o resultado no vídeo abaixo.
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